BIOINFORMÁTICA Pesquisadores
estudam sinais gênicos que controlam metabolismo celular
Para
entender
a
conversa dos genes
A
pesquisa genética pode ter diversas aplicações, como a seleção de espécies mais
vantajosas na agropecuária, a criação de medicamentos mais eficazes e até
a melhoria do diagnóstico e tratamento
de várias doenças. Mas para isso é preciso
ir além do seqüenciamento dos genes e descobrir como eles interagem no controle
do metabolismo. Com o objetivo de construir modelos matemáticos que descrevam
esse processo, pesquisadores do núcleo Bioinfo, do Instituto de Matemática e
Estatística da Universidade de São Paulo (USP), estão estudando o processamento
dos sinais dos genes. O ‘sinal’ de um gene é a variação no tempo de sua
produção de RNA mensageiro (mRNA)para codificar uma proteína.
O estudo envolve
análises da expressão gênica em matrizes conhecidas
como ‘cDNA microarray’, uma espécie de ‘fotografia instantânea’ da
atividade dos genes. As matrizes são obtidas a partir de experimentos em
lâminas com até 8 mil genes. Cada matriz mostra a
expressão dos genes (a produção de mRNA) em um determinado momento da vida da
célula (em etapas consecutivas de crescimento celular, por exemplo). A
digitalização dessas matrizes
gera imagens que podem ser analisadas no computador,
para a determinação dos valores de expressão dos
genes, que definem
as curvas de evolução temporal dessa expressão – os
sinais
de cada gene.
Segundo Júnior Barrera,
presidente do núcleo Bioinfo, o estudo representa uma dimensão além da
codificação genética. “É como se grampeássemos uma rede de comunicações
telefônicas de uma cidade e gravássemos um
trecho das conversas. Não adianta saber apenas os números dos
telefones dos assinantes. É preciso saber também quem
está conversando
com quem e o que está sendo conversado”, afirma. De
acordo com Barrera, o sinal do gene resulta da interação entre uma rede de
genes. “A rigor, não se pode falar em função de um só gene. A função está
associada a um conjunto de genes, trabalhando em concerto”, explica. O
pesquisador compara o processo ao funcionamento das redes neurais. Nesse caso,
cada neurônio recebe impulsos nervosos (sinais elétricos) de outros neurônios,
provenientes de estímulos
externos (frio, calor, umidade) ou internos (medo,
fome,dor). O processamento dos sinais recebidos determina se o neurônio
transmitirá o impulso nervoso:
se a somatória desses sinais ultrapassa o ‘limiar de
excitação’ da membrana do neurônio, ocorre uma variação de potencial que
permite a transmissão do impulso. A resposta do organismo ao estímulo inicial,
que pode ser uma ação, como o movimento de uma das mãos, é determinada pelo
processamento de todos esses impulsos nervosos pela rede de neurônios.
Os genes também têm sua ‘rede
de comunicações’. A diferença é que, em vez de um sinal elétrico, a ‘unidade de
informação’ dos genes é a proteína, sintetizada em uma organela celular chamada
ribossomo a partir das instruções contidas no mRNA. As proteínas podem
interagir com outras proteínas, formando novas estruturas, e deslocar-se para o
núcleo da célula, onde, de acordo
com suas configurações geométricas (domínios), são
capazes de ‘encaixar-
se’ nos genes, transmitindo informações. O
processamento dessas informações pelo gene determina se ele produzirá mais mRNA
ou não, ou seja, define sua
expressão (seu sinal).
Assim como ocorre no sistema
nervoso, o processamento dos sinais gênicos também resulta no controle de ações
(no caso, atividades metabólicas dentro das células). Esse controle é realizado
por proteínas que atuam como enzimas. Elas catalisam todas as reações do
metabolismo, responsáveis pelo funcionamento e pela estrutura dos organismos.
Modelos
computacionais
Segundo Barrera, o
objetivo das pesquisas é entender como os genes processam esses sinais para
controlar as atividades celulares. A idéia é desenvolver modelos matemáticos
computacionais que descrevam a dinâmica de interação entre os genes. Para isso,
os sinais registrados passam por procedimentos de data mining (mineração
de dados): de início, é feito
o clustering
(agrupamento de sinais similares), para
reunir os conjuntos de genes com a mesma função na célula e para reduzir o
número de variantes. As curvas resultantes são submetidas a processos
matemáticos (algoritmos) de identificação de sistemas, que permitem ‘decifrar’
as equações que descrevem os modelos de interação gênica. “É como se
gravássemos 10 segundos de uma conversa e tentássemos reconstituir dois minutos
dela”, compara Barrera.
De acordo com o pesquisador,
esses modelos poderão esclarecer em detalhes como uma droga atua para modificar
um sistema, o que ajudará a criar medicamentos mais eficazes. Também permitirão
detectar falhas no mecanismo
de controle gênico, responsáveis pelo surgimento de
células cancerosas. “Poderíamos reconhecer padrões diferentes e planejar formas
de correção”, diz o cientista. Esse conhecimento poderá ainda ser útil na
seleção de fenótipos na agropecuária: “Se soubermos que genes estão associados
ao controle das propriedades de uma espécie, poderemos induzir um organismo a
ter esses genes.”
INDEPENDÊNCIA NA EXTRAÇÃO DE DADOS
O Bioinfo-USP foi criado há cerca
de um ano e meio e hoje coopera em diversos projetos de pesquisa, como alguns
relacionados ao câncer, do Instituto Ludwig. Também atua em parceria com outras
unidades da USP, participando do projeto
Cooperation
for Analysis of Gen Expression (Cage), do Instituto de Química, de estudos
sobre o eucalipto (para produção de papel), a cana-de-açúcar e a avicultura,
realizados na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, e de pesquisas
sobre vírus e malária do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB).
Os pesquisadores do núcleo estão patenteando um método
de avaliação de técnicas de clustering (agrupamento de sinais gênicos),
desenvolvido em conjunto com a Universidade Texas A&M (Estados Unidos).
Também criaram, em cooperação com o Nacional Human Genoma Research Institute
(NHGRI), também dos Estados Unidos, um método experimental para classificar
tipos de câncer, ainda em fase de publicação. A Organização Mundial da Saúde
(OMS) aprovou um projeto do núcleo que prevê a realização, em conjunto com o
ICB, de um curso de bioinformática para a América Latina.
Segundo Barrera, a bioinformática
tem como objetivo responder a perguntas biológicas, o que é feito de forma
interativa: “Integramos a informação qualitativa (o conhecimento do biólogo)
com a informação quantitativa (o conhecimento acumulado nos bancos de dados
sobre código genético, estrutura de proteínas, expressão dos genes, informações
clínicas etc.) através de ferramentas computacionais e modelos matemáticos.”
Uma das
metas do núcleo é ajudar cientistas de diversas áreas,
criando ambientes computacionais adequados, para que eles não fiquem restritos
às tecnologias convencionais. Para o pesquisador, tão importante quanto gerar
dados, é saber interpretá-los. “É uma questão estratégica para o país a
independência na extração de informação dos dados. Quem tiver capacidade de
construir ferramentas próprias, quando necessário, estará em uma posição
privilegiada.”
Marcelo Alexandre Barbosa
Especial para Ciência Hoje/SP