O Estado de São Paulo

21 de janeiro de 2002 (p. A6)

 

 

A bioinformática contra as doenças tropicais

Em fevereiro, na USP, curso será um passo para unir biólogos e cientistas da computação

Eduardo Numomura

Biológos e cientistas da computação, que falam idiomas completamente diferentes, terão a oportunidade de estreitar relações dentro de poucos dias. Um curso que será realizado no próximo mês na Universidade de São Paulo (USP) mostrará como esses dois campos podem se unir no combate a doenças como malária, leishmaniose, Chagas e dengue. É o primeiro passo para a criação de um centro nacional de bioinformática para doenças tropicais.

Além do Brasil, África do Sul, Índia e Tailândia receberão recursos da Organização Mundial da Saúde (OMS) para desenvolver pesquisas nessa área. Todos esses países enfrentam sérios problemas com os parasitas que provocam a alta incidência dessas doenças em seus territórios.

Ordem - A tarefa de unir pesquisadores desses dois campos é uma conseqüência natural do desenvolvimento da ciência mundial. Hoje, longe de ser uma moda, a ordem é investir em pesquisas de genoma.

Pegue-se o exemplo da malária, uma das ênfases do curso da USP. A doença continua dizimando pessoas graças à sua capacidade mutante de resistir às drogas. Estudiosos de parasitologia têm certeza de que com o estudo do seu DNA novos remédios eficazes surgirão muito mais rapidamente.

África - O parasita da malária é responsável pela morte de pelo menos 3 mil pessoas por dia e a infecção anual de 300 milhões em todo o mundo. A maioria dos casos ocorre na África, onde se estima que o Produto Interno Bruto do continente seria 32% maior se a doença já tivesse sido eliminada 35 anos atrás.

Como atinge países pobres, os lucros reduzidos com o desenvolvimento e comercialização de novos remédios para a malária acabam desincentivando os laboratórios farmacêuticos a continuarem pesquisando nessa área.

Ciclo - Esse ciclo vicioso pode mudar com a esperada publicação da seqüência completa do DNA do parasita da malária, nos próximos meses. Durante cinco anos, cientistas do fundo britânico Wellcome Trust, do Instituto para Pesquisa do Genoma nos Estados Unidos, e da Universidade de Stanford trabalharam para decifrar os 6 mil genes da doença.

Mas, como muitos já devem saber, esse é apenas o pontapé inicial para as pesquisas. A próxima e mais desafiadora missão é entender como essas seqüências podem produzir novos remédios e vacinas. É aí que entra a USP, com o Núcleo de Bioinformática, do Instituto de Matemática e Estatística, e o Instituto de Ciências Biomédicas (ICB).

De nada adiantaria biólogos se debruçarem sobre as 30 milhões letras do código genético da malária. Da mesma forma, os que trabalham com poderosas ferramentas de computação não avançariam muito. Unidos, a história será diferente. Como diz o slogan: Unidos, venceremos.

Quinze alunos latino-americanos vão estar reunidos a partir de 17 de fevereiro para duas semanas de discussão e aprendizado sobre os genomas de doenças tropicais.

Além de oito brasileiros, haverá um argentino, um cubano, um mexicano, um peruano e três colombianos. Trocarão informações sobre computação e parasitologia - dez participantes são parasitólogos.

“A bioinformática é um campo abstrato e realmente estamos falando de uma nova geração de pesquisadores”, explica o professor Hernando Del Portillo, do ICB, coordenador do curso.

“Imagine que estamos produzindo uma porção de montanhas com pepitas de ouro dentro. Se não tivermos ferramentas para acelerar a mineração, não adianta continuarmos produzindo essas montanhas, raciocina o professor Junior Barrera”, do Núcleo de Bioinformática.

Mineração - Na comparação de Barrera, os biólogos são os produtores dessas montanhas e os pesquisadores da computação, os que vão criar os instrumentos de mineração. A união pode render estudos mais exatos de como funcionam as cepas da malária e de outras doenças tropicais.

Sabe-se que no território brasileiro o parasita da malária Plasmodium falciparum convive com o Plasmodium vivax, sendo a primeira forma da doença letal e a última, não. Ao se comparar trechos dos dois códigos genéticos, por exemplo, a compreensão da doença estará mais próxima.

Posso estar enganado, mas em questão de dois ou três anos novas drogas estarão sendo testadas. Sendo otimista, em dez anos, poderemos ter eliminado a malária no mundo”, afirma Del Portillo, com a experiência de ser um colombiano que já foi dezenas de vezes à Amazônia e nunca pegou uma malária.