Jornal da USP (http://www.usp.br/jorusp/arquivo/2003/jusp637/pag20.htm)

07 a 13 de abril de 2003

 

 

genética
Os modelos matemáticos que salvam vidas
A bioinformática — ferramenta fundamental para o conhecimento da interação entre os genes — será tema de encontro internacional na USP, organizado por nove unidades

ANDRÉ CHAVES DE MELO

 

 

Criação de medicamentos mais eficazes, melhoria do diagnóstico e tratamento de várias doenças, seleção de espécies mais rentáveis para a agricultura e a pecuária são algumas das aplicações práticas que a pesquisa genética tem permitido aos cientistas desenvolver. Entretanto, para que isso ocorra, a identificação e determinação do lugar de um gene nas células de qualquer ser vivo – atos que, em conjunto, formam o que chamamos de seqüenciamento genético – não bastam, pois é preciso ir mais além, descobrindo como os genes interagem entre si, formando os organismos vivos e controlando seu metabolismo.

Peça-chave nesse processo é a bioinformática, ramo da ciência que se dedica, entre outros temas, à construção de modelos matemáticos capazes de descrever o funcionamento dos genes por meio da análise de seus “sinais”, que são variações do tempo necessário para a produção das proteínas mensageiras (mRNA), transportadoras das ordens emitidas dos genes para as células. Com a meta de congregar pesquisadores da área e de outros setores do conhecimento, que se utilizam da bioinformática como uma ferramenta para seus estudos, a USP realizará, entre os dias 14 e 16 de maio, no Centro de Convenções de Ribeirão Preto, a 1ª International Conference on Bioinformatics and Computational Biology (Icobicobi).

O evento é uma iniciativa do Núcleo de Bioinformática do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP, o Bioinfo, em parceria com o Instituto de Química (IQ), a Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ), o Instituto de Ciências Biomédicas (ICB), a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), a Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP), o Instituto de Biociências (IB) e o Instituto de Física de São Carlos (IFSC) – todas unidades que integram o recém-criado Programa de Doutorado Interunidades em Bioinformática da USP –, e conta com o apoio das Pró-Reitorias de Pesquisa e de Pós-Graduação. “Estamos abertos a parcerias com a iniciativa privada para a realização do evento”, afirma Júnior Barrera, professor do IME, presidente do Bioinfo e do Comitê Organizador da Icobicobi, que também está solicitando o apoio do CNPq, da Fapesp e da Finep. “Além de poderem participar de todas as atividades e palestras, nossos apoiadores poderão expor seus produtos e projetos em estandes que serão montados no local.”

Iniciativas pioneiras – Segundo o engenheiro elétrico Luciano da Fontoura Costa, professor do Instituto de Física de São Carlos e presidente da Comissão do Programa de Doutorado, um dos principais objetivos da bioinformática desenvolvida atualmente na USP é o compartilhamento das informações obtidas por meio das atividades de pesquisa de diferentes grupos de cientistas que se dedicam à genética. “Pretendemos unir esses dados em uma base que poderá ser, no futuro, disponibilizada na Internet”, afirma. “Em nosso país, trata-se de um passo pioneiro no caminho da organização sistemática das informações obtidas pelos estudos da dinâmica de expressão gênica, que envolvem diretamente a biologia e a computação.”

De acordo com Barrera, outro objetivo da Icobicobi é marcar a criação do Programa de Doutorado Interunidades em Bioinformática da USP, instalado oficialmente em agosto do ano passado. “O desenvolvimento da bioinformática na USP está ocorrendo por meio de um planejamento estratégico que previa, primeiramente, a criação de um núcleo na área, o Bioinfo, e, posteriormente, de um programa de doutorado”, explica. “Optamos pelo doutorado antes do mestrado como forma de criar mais rapidamente uma massa crítica capaz de levar para outras universidades, institutos de pesquisa e empresas os conhecimentos gerados aqui e que poderão contribuir para um maior desenvolvimento da bioinformática e da genética.”

Costa e Barrera: objetivo do evento é unir competências para gerar novas
pesquisas e conhecimentos

 O doutorado, que tem sua sede no IME, deverá formar, por volta de julho de 2006, seus primeiros 15 doutores em bioinformática. “No Brasil, além da USP, somente a Universidade Federal de Minas Gerais mantém um programa na área”, conta Costa.

Segundo o pesquisador, a tendência mundial da área é formar redes de pesquisa que não ficarão restritas à bioinformática. “É por isso que, com a organização do evento, pretendemos reunir pesquisadores e estudiosos das mais variadas áreas, como evolução, ecologia, desenvolvimento animal e neuroinformática, entre outras, hoje integradas à pesquisa genética e à bioinformática”, diz. “Ao longo do século passado, a biologia, como todas as áreas do conhecimento, passou por um processo de especialização que a afastou dos outros ramos da ciência. Nos últimos anos, com o surgimento de um processo de reintegração geral de todas as áreas da ciência, a informática foi se estabelecendo como uma poderosa ferramenta para construção de modelos, vitais para a análise dos resultados das pesquisas biológicas com genes.”

Costa afirma ainda que, em 2002, os Estados Unidos decidiram conceder recursos para as pesquisas na área de neuroinformática – voltada para o apoio aos estudos neurológicos – somente para os grupos de cientistas que estejam dispostos a compartilhar os dados a serem obtidos. “No Brasil ainda não existe nenhuma determinação desse tipo, mas a Fapesp tem dado passos nesse sentido, o que nos leva a crer que essa conferência será um marco para a integração da bioinformática com outras áreas.”

As palestras e mesas-redondas do encontro abordarão temas variados, passando pela agronomia, inteligência artificial, biofísica, bioquímica e chegando à genética e à neuroinformática. Entre os convidados se encontram os norte-americanos Michael Bittner (National Human Genome Research Institute), especialista em pesquisas genéticas ligadas ao câncer, e Stephen Koslow (National Institute of Mental Health), que se dedica a pesquisas sobre doenças mentais de origem genética.

“A conferência representa mais uma importante iniciativa voltada para a união de esforços entre os diferentes grupos de pesquisa que atuam no Estado de São Paulo, em outras regiões do Brasil e no exterior”, diz Luiz Nunes de Oliveira, pró-reitor de Pesquisa da USP. “A bioinformática é, atualmente, uma área do conhecimento vital para o desenvolvimento da genética e da biotecnologia como um todo”, afirma. “A agricultura, por exemplo, fundamental para a realidade econômica brasileira, tem se mostrado capaz de incorporar os avanços com uma velocidade maior que a de todos os outros setores.”

Os pesquisadores interessados em apresentar seus trabalhos poderão enviar resumos explicativos até 15 de abril. Os textos devem ter uma página mostrando inovações obtidas por meio de pesquisas desenvolvidas na área de bioinformática. Todos os trabalhos aceitos serão publicados posteriormente em um site. Os melhores serão selecionados para publicação na edição especial do Journal of Real-Time Imaging, que será lançada em setembro. Mais informações sobre a conferência podem ser obtidas no endereço http://www.vision.ime. usp.br/icobicobi.

 

 

 

Tecnologia “grampeia conversas”
dos genes

Para mapear os “sinais” dos genes ou mRNAs, os cientistas utilizam a tecnologia de DNAs microarrays, lâminas que comportam até 8 mil genes de uma só vez e são capazes de registrar a produção dos mRNAs. Ao serem digitalizadas, essas lâminas permitem a geração das imagens que serão analisadas. Segundo Júnior Barrera, presidente do Núcleo de Bioinformática da USP (Bioinfo), é como se os especialistas grampeassem trechos de uma conversa entre os genes. “O desafio é, a partir daí, decifrar o conteúdo de toda a conversa, cujos rumos determinam o funcionamento das células”, diz. “É aí que entram os modelos matemáticos computacionais desenvolvidos pela bioinformática, cuja aplicação permite que se conheça esse funcionamento e, como uma nova droga, ao ser ingerida por um paciente com determinada doença, por exemplo, pode interferir nesse processo de interação entre os genes, modificando-o e gerando condições para que a pessoa seja curada.”