Com a ajuda de lâminas especiais de vidro com as dimensões aproximadas de um
dedo indicador - os chamados microarrays ou chips de DNA -, o
pesquisador Sergio Verjovski-Almeida, do Instituto de Química da Universidade
de São Paulo (IQ/USP), encontrou seis genes nunca antes descritos na
literatura médica que podem estar relacionados com o câncer de próstata, o
segundo tipo mais freqüente de tumor entre homens no Brasil, onde são
registrados anualmente quase 21 mil novos casos da doença. Se ficar
comprovada sua ligação com esse tipo de câncer, os genes, cujos nomes e
localização ainda são mantidos em sigilo, podem se transformar em uma
ferramenta importante para auxiliar o diagnóstico precoce da enfermidade ou a
sua evolução clínica.
"Ainda
temos de realizar mais estudos, com mais pacientes, para ter certeza da
possível implicação desses genes com o câncer de próstata", diz
Verjovski, coordenador de um dos sete subprojetos do instituto que fazem
parte do Cage (sigla em inglês que significa Cooperação para Análise de
Expressão de Genes). Além de aprofundar as pesquisas com tecidos da próstata,
o bioquímico faz um trabalho semelhante de procura de genes ligados ao câncer
de pulmão.
O domínio de todo o processo de construção, experimentação e análise de microarrays
- principal objetivo do Cage - permite confeccionar chips sob medida.
Isso pode levar a resultados interessantes, ainda mais quando se tem a mão
matéria-prima diferenciada para pôr nesses chips - genes ou potenciais
genes ainda não estudados em relação a determinadas patologias ou situações.
Esse foi o caso da equipe de Verjovski. Utilizando os equipamentos do
laboratório de microarrays do Cage, inaugurado no Instituto de Química
em dezembro de 2000, os pesquisadores construíram um chip de DNA inédito no
mundo. Num microarray, onde cabem milhares de seqüências genéticas,
depositaram 4 mil genes.
Metade
desses genes já eram conhecidos, muitos deles com envolvimento em alguns
tipos de câncer. A outra metade era composta por 2 mil ESTs (Etiquetas de
Seqüências Expressas, regiões do genoma candidatas a serem genes), geradas
pelo próprioinstituto para o Projeto Genoma Humano do Câncer, iniciativa
conjunta da FAPESP e da filial de São Paulo do Instituto Ludwig. Nessas 2 mil
ESTs obtidas pela pesquisa genômica paulista e não disponíveis nos chips
comerciais de DNA vendidos no mundo está um dos grandes segredos do bom
resultado alcançado pelo microarray de Verjovski. "Dificilmente alguém
no mundo tem um chip igual ao nosso", afirma o pesquisador.
Detalhe
importante: os chips e seus experimentos têm de ser feitos num
ambiente extremamente asséptico e controlado, para não comprometer a
confiabilidade dos dados. Para microarrays , a chamada sala limpa deve
ter temperatura em torno de 22º C, umidade relativa do ar de 45% a 53% e no
máximo 10 mil partículas de poeira por pé cúbico de ar, um padrão mil vezes
mais severo que o de uma sala de operação esterilizada de hospital. "Montar
e manter um laboratório desses não é uma operação trivial", diz Hugo
Armelin, também do Instituto de Química, coordenador geral do Cage. O
laboratório de microarray pode fabricar simultaneamente 36 chips de
DNA em quatro horas.Como se colocam genes numa lâmina? A descrição do que foi
feito no Instituto de Química dá uma noção do processo.
Mantidos
em freezers junto ao laboratório do Cage, clones das ESTs do Genoma
Humano do Câncer foram amplificados por um método chamado PCR (reação em
cadeia da polimerase) e, com a ajuda de um robô, depositados um a um em
reservatórios microscópicos (na forma de um ponto ou circunferência) do chip
. Algo semelhante foi feito com os outros 2 mil genes já conhecidos. Depois,
material celular de tecidos normais e com câncer - retirados de 60 pacientes
do Hospital Albert Einstein, de São Paulo, e do Hospital do Câncer do
Instituto Nacional do Câncer, do Rio de Janeiro, com tumores de próstata em
estágio intermediário - foram adicionados ao chip com 4 mil genes, num
processo chamado hibridização. Os tecidos sadios foram marcados com corante
fluorescente verde e os com câncer, de vermelho.
Feito
isso, o microarray está pronto para fornecer indícios de quais genes são mais
ou menos expressos (usados) por células sadias e pelas com tumores. Mede-se a
expressão dos genes nos dois tipos de tecido com a ajuda de um scanner
a laser e de softwares . O resultado são figuras como a
publicada abaixo. Cada bolinha representa um gene. A cor verde significa que
o gene em questão é mais expresso em tecido normal do que em tumores. O vermelho
quer dizer o contrário. E o amarelo significa que a expressão é a mesma tanto
num como em outro tipo de tecido. Depois de tratamentos e modelagens
computacionais, a expressão dos genes nos dois tipos de tecido é comparada e
analisada.
Toda célula de um organismo, normal ou com câncer, tem o mesmo DNA, os mesmos
genes. Mas cada célula, de acordo com sua função e outros parâmetros,
expressa (usa), com maior ou menor intensidade, certos genes em alguns
momentos, enquanto os demais permanecem inativados. Portanto, apesar de
disporem de DNAs iguais, uma célula normal exibe um padrão de expressão de
genes distinto de uma célula tumoral. O uso de microarrays permite
conhecer que genes são usados (e com que intensidade) em uma infinidade de
situações.
Mamíferos
e laranjas
Além
do câncer de próstata, seis projetos do Cage trabalham com a tecnologia de chips
de DNA, analisando a expressão de genes ligados a diferentes processos ou
patologias em organismos distintos. Armelin, por exemplo, estuda o ciclo
celular em mamíferos e, para isso, está desenvolvendo um microarray a partir
de 33 mil ESTs de camundongos. Outro grupo, coordenado por Suely Lopes Gomes,
conseguiu colocar em um chip mais de 90% dos cerca de 2.800 genes da bactéria
Xylella fastidiosa , cujo genoma foi seqüenciado pela Organização para
Seqüenciamento e Análise de Nucleotídeos (Onsa), rede de laboratórios criada
pela FAPESP.
A
meta principal dos pesquisadores é comparar a expressão de genes em distintas
cepas da bactéria, que causa a Clorose Variegada dos Citros (CVC), a popular
praga do amarelinho, nociva aos laranjais. "Vamos procurar entender por
que uma dessas linhagens não pode ser modificada pela engenharia genética
enquanto a outra aceita essas alterações", diz Aline Maria da Silva, do
Departamento de Bioquímica, que participa do subprojeto e é uma das
responsáveis pelo laboratório de microarray . "Em um mês, devemos
conseguir colocar todos os genes da Xylella no chip e ter a
versão final do microarray ."
Outra iniciativa do Cage é construir chips de DNA para estudar a
expressão genética de diferentes linhagens e estágios evolutivos do parasita Trypanosoma
cruzi , protozoário causador da Doença de Chagas. O objetivo central do
trabalho é, eventualmente, identificar genes ou conjuntos de genes que possam
ser determinantes para o grau de severidade da moléstia. "Cerca de 60%
dos portadores do parasita não desenvolvem a doença", diz Bianca
Zingales, coordenadora desse subprojeto, cujos primeiros resultados com
microarray estão previsto para o próximo ano. "Mas 30% desenvolvem
cardiopatias graves e outros 10% apresentam problemas digestivos." Ainda
no âmbito do Cage, há mais três subprojetos que estudam a expressão de genes
em distintos microrganismos: a ameba Dictyostelium discoideum (cujos
genes, embora em menor número dez vezes menor, são semelhantes ao conjunto de
genes humanos), a bactéria Xanthomonas campestris (que provoca doenças
em espécies vegetais) e a levedura Saccharomyces cerevisiae.
Programas
Por fim, o Cage conta ainda com a participação de um grupo de pesquisadores
do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP, que trabalha em
sintonia com os pesquisadores da Química no desenvolvimento de uma série de
bancos de dados, softwares e modelos computacionais para análise de
expressão de genes em chips de DNA. É uma área estratégica dos estudos
com microarrays , que geram uma quantidade enorme de informações e
necessitam de programas e modelos matemáticos eficientes para realizar a
chamada mineração de dados - separar o que é estatisticamente importante do
que é secundário.
Há programas comerciais ou de domínio público que fazem isso, mas apresentam
limitações. "Muitos são uma caixa-preta", diz Junior Barrera,
coordenador do Núcleo de Bioinformática do IME e membro do Cage. "Não
sabemos exatamente como eles funcionam nem temos certeza do que medem."
Fora isso, alguns softwares requerem uma interação tão intensa do
usuário que dois pesquisadores, usando o mesmo programa, podem chegar a
resultados diferentes. Os bioinformatas paulistas, que já publicaram pelo
menos três artigos em revistas internacionais em razão de seus trabalhos no
Cage, estão tentando minimizar esses problemas. Em alguns casos, obtiveram
bons resultados: em conjunto com colegas dos Institutos Nacionais de Saúde
(NIH) dos Estados Unidos, criaram um software para visualização de
imagens. Em breve, o programa estará disponível para download na
página do NIH.
O PROJETO
Cage - Cooperation for Analysis of Gene Expression
Modalidade
Projeto temático
Coordenador
Hugo Aguirre Armelin - Instituto de Química da USP
Investimento
R$ 1.973.072,96
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